Saturday, January 02, 2010

Self-disclosure

Image by New York Times.


Futuro tardio
.

O futuro devia, por certo, ter já sucedido.
Casas que se pintam com o pensamento,
a infância lida algures
em pujantes mitocôndrias,
ontem ainda,
há poucos meses,
entre melodias triunfantes
e amigos distantes,
a quem se acena,
apesar do calvário
que os aparta.

O futuro devia ter já sucedido
em todo o seu esplendor,
a arte,
a ciência,
engenhos de inteligilidade
que levam o tempo necessário
a repercutir o seu efeito,
a compreensão,
a distracção,
o trabalho,
lugar frágil
onde sobrevive
um indexante da felicidade,
fecundidade na prostração,
que sublima a vocação,
quão distantes estamos
do cândido fulgor
da idade do berço.

Factos de futuro
que se anotam
e se reportam,
deglutindo a experiência
tida algures,
ouvem-se histórias
que não perseguem
qualquer propósito,
porque há histórias
que não são
nem vão
a lado algum.

Fosse possível
colocar um oceano de inocência
que nos expurgasse a aflição,
aprender a sabedoria,
a elegância,
a relevância,
comprimir um continente num instante,
a aurora num segundo,
ser pequeno
e singelo,
pudesse o futuro
ter já sucedido.

Existem razões plausíveis
para a letargia
e o avistar dos pintassilgos,
tudo o que suporta,
perseguindo o que não se sabe
se importa,
a aprovação,
a reverência,
éclairs
e manicure
entregue com solene deferência,
a ambição complacente,
lenta combustão da humanidade.

Criaturas inadequadas
pregam ao telefone,
cumprindo os preceitos
da proximidade,
informação que jaz em tempo real,
um cataclismo num cano,
as calças que afinal
são feitas de pano,
deus na mão,
escalopes em pão,
sofridas virtudes enaltecidas
sob um terço,
com o espírito eterno de uma
primeira vez,
o fulgor
da idade do berço,
pudesse o futuro
ter já sucedido
no seu prometido esplendor.

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