Monday, February 05, 2007

Palavras de Cotrim

Calçadeira.

Do país-Portugal, Pacheco Pereira e Pereira Coutinho sublinham o arrepio que lhes provoca os termos insanos aplicados no tratamento (aparentemente infindável) do "debate" público relativo à interrupção da gravidez; em seu turno e noutro púlpito de enunciação de verdades inteiras, Pulido Valente apresenta o país-Portugal como um país rural, que, apesar de nunca se ter industrializado, se extasia perante objectos culturais subsidiados, subsistindo à custa da imitação e da adopção das "melhores práticas" de terceiros; Eduardo Lourenço, na candura romântica e novecentista que lhe é oferecida pela vivência do quotidiano de Paris, enquadra o país-Portugal como um universo de peripécias, onde a elegia do "dramático" e das relações humanas descose as hierarquias e reduz tudo à dimensão de uma aldeia.
Não querendo subtrair mérito ao foco da análise de tão ilustres comentadores, consideramos agora, após escuta atenta dos alvitres do ministro Pinho, que o mesmo peca por enviesamento.
Pinho, o ministro, de férias (certamente merecidas) em Portugal, enquanto não regressa aos bancos escolares norte-americanos, fala-nos de um Portugal-calçadeira, figura de mediação de negócios alheios. Trata-se de apresentação enxuta (e não menos exacta) e de potencial expressivo assinalável, uma expressão feliz: sendo o país-Portugal-calçadeira, um país feito a partir de arranjos e "jeitinhos", deve aproveitar-se a proficiência adquirida por longa prática na arte de melhor "calçar" o outro (e o próprio), investindo-se na internacionalização de tão apurada competência.

No comments: