Soberania.
O representante do órgão de soberania chega ao local do acidente.
Vê-se ao espelho. Responde a uma mensagem. Recebe um telefonema.
Compõe-se, compõe o nó da gravata. Arqueia as sobrancelhas, para que o seu olhar se apresente afectado, compungido. O motorista abre a porta. O técnico fala para a câmara do jornalista. Há feridos.
O representante do órgão de soberania cumprimenta outros representantes de outros órgãos de soberania. O técnico continua a falar para a câmara do jornalista. Está a explicar coisas. O representante aproxima-se. Procura demonstrar concordância com o que é dito.
Agita depois, um pouco, o pintelho motor, para sugerir que há um pensamento que o atravessa.
O representante ladeia agora o técnico que ainda fala para a câmara do jornalista.
É um momento importante. O técnico está a concluir coisas.
O representante sente, por momentos, um pouco de orgulho.
Está a desempenhar a sua função. Representa.
O jornalista termina a emissão.
O representante compõe-se, compõe o cinto das calças, puxa as meias até cima.
Cumprimenta o jornalista. Cumprimenta o técnico.
Acena a duas senhoras que parecem esboçar um sorriso.
Acena ao motorista, que o espera.
Responde a uma mensagem. Recebe um telefonema.
O motorista chega.
O representante compõe-se, puxa de novo as meias até cima.
Ao fazê-lo, olha por momentos as mãos, escondendo-as depois nos bolsos das calças.
Atravessa-o, agora, de facto, a força ínclita, soberana, de um pensamento:
"Hoje tenho de cortar as unhas".
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