Wednesday, October 12, 2016

It`s an outlier!

Do projecto como possibilidade de salvação.





O projecto define, em termos fenomenológicos, um regulador psicológico e sócio-cultural contemporâneo, uma figura prospectiva, central no tempo presente, no plano individual, social e profissional.

A emergência do projecto como figura da modernidade reflecte uma preocupação iluminista, emergente desde o século XVIII: a preocupação com um tempo prospectivo, com a previsão de um estado futuro desejado.

O que apresenta o projecto como traço dominante da modernidade é, com efeito, o seu foco no devir, e no desejo (prometaico) de apropriação deste.

Kant apresentou o projecto como modalidade de exercício da "razão prática" (por oposição às instâncias da "razão especulativa"), um esforço de realização do que, em termos ontológicos, ainda não é, do "ser em possibilidade". Os idealistas germânicos (e.g., Hegel, Fitche, Schelling) assimilaram o projecto a uma forma de contestação da ordem social, mobilizada em nome de uma visão de futuro que se antecipa como sendo mais habitável.

As correntes fenomenológicas e existencialistas emergentes no início do séc. XX (Brentano, Husserl, Heidegger, Bloch, Sartre) investiram o conceito projecto de uma vitalidade particular, em especial pela sua associação a noções como "intencionalidade", "inquietação", "utopia concreta", ou "possibilidade (de liberdade)".

Procurando dissociar-se de concepções psicologizantes ancoradas em exercícios de introspecção intangível, dificilmente prescrutável, as abordagens fenomenológicas procuram vincular a "intentio" volitiva a uma experiência vivida consciente. A consciência existe em, isto é, reporta-se a um objecto, a um projecto de acção.

Para Heidegger, o projecto traduz aquilo que o indivíduo ou um grupo social podem vir a ser, e, neste sentido, encontra-se intimamente associado à experiência de desilusão, pela inquietação que suscita, associada à dificuldade de se estar à altura das promessas de possibilidade que o projecto prefigura.

Para Heidegger, o projecto visa uma possibilidade, e neste sentido, como é ilustrado por Bloch, define uma "utopia concreta", uma hipótese de salvação (temporária) para o indivíduo que se sabe finito, um "ser para a morte".

A ausência é o primeiro e principal elemento caracterizador, para Sartre, da realidade experimentada pelos indivíduos. O projecto representa, neste sentido, uma qualidade de adiantamento para o futuro, uma possibilidade de transcendência libertadora. Neste sentido, o projecto pode representar para os indivíduos, em termos simbólicos, um lugar de proactividade, de destinos provisórios, que se acumulam, que se habitam, que se enunciam.

Ter um projecto significa, neste sentido, que se tem uma possibilidade, que há um propósito, que se vai continuar a viver. Descreve um comportamento consequente, animado por propriedades de persistência, por um propósito sublimador, por um fim aspirado de actualização de si.

O projecto e a projectificação da sociedade reflectem uma orientação sócio-cultural que fomenta a particularização (de interesses, de identidades, de experiências) e a individualização (de estilos e de trajectórias de vida). Ter um projecto representa, hoje, a possibilidade de experimentar um inédito vital; de dominar, antecipando, o futuro, um futuro, um futuro desejado; de poder fazer sentido do fortuito, do contingencial, do absurdo.

Ter um projecto representa, hoje, a possibilidade de evitar a exclusão que se associa como risco àqueles que não têm, hoje, um projecto*.






* a partir de:

Boutinet, J. (1997). Antropologia do projecto (pp. 23-94). Lisboa: Instituto Piaget.

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