Wednesday, October 12, 2016

Palavras de Cotrim.

Da gestão de projecto: A tirania do momento.



O projecto, entre outras formas de organização contemporânea, emergiu como arquétipo de "design" organizacional fundado na procura de racionalização e de especialização flexível (Piore & Sabel*, 1984), na procura de horizontalização dos processos de produção, e no destaque dado ao tempo, tomado como recurso finito, inventariável, como dimensão organizadora do trabalho (Boutinet*, 1997; Bakker*, 2010).

Em termos históricos, o termo "projecto" surgiu no decurso do século XV, com o uso da designação “pourjet”, indicativa da existência de elementos arquitecturais “lançados à frente” (Boutinet, 1997, pp. 32-3), como os balcões de uma fachada, ou as estacas diante de uma casa.

O campo germinal de significação do projecto é delimitado, deste modo, por uma estrutura (arquitectural, no século XV) que é “lançada à frente”, sendo o projecto assimilado como figura representativa de progresso social.

Caracterizado pela natureza temporária (Bakker, 2010; Lundin et al.*, 2015), o foco na tarefa (tipicamente complexa) (Lundin & Soderholm*, 1995; Hobday*, 2000), na realização, no fazer (Bakker, 2010), e pela orientação transdisciplinar (Boutinet, 1997; Soderlund*, 2011; Lundin et al., 2015), o projecto opera como “locus” de interacção social e de possibilidade de hibridação de conhecimentos, interesses e identidades, ao fomentar o encontro e a interacção de indivíduos de diferentes organizações, áreas funcionais, profissões ou filiações disciplinares.

O projecto constitui, com efeito, um dispositivo de organização transitório, temporário (Lundin et al., 2015), que propicia a fertilização cruzada, a hidridação sócio-cultural (Hannerz, 1996). Define uma oportunidade e um pretexto para a conexão social, uma figura que simboliza uma representação reticular do mundo, tributária do paradigma da rede (Castells*, 2002) e do primado da razão comunicacional (Habermas*, 1985) como reguladores privilegiados dos intercâmbios sociais.

A natureza do projecto decorre, neste sentido, do vínculo a lógicas pragmáticas, não essencialistas, valorizadoras de ontologias relacionais (Boltanski & Chiapello*, 2009, p. 179), e comporta não apenas uma representação do universo da gestão e da acção nas e das empresas, mas também uma visão de organização da sociedade. A sociedade que, por inerência e por consequência, se apresenta, no entender de alguns, crescentemente projectificada (Packendorff*, 2002; Packendorff & Lindgren*, 2014).

Enquanto contexto imediato que possibilita a materialização de um conjunto de práticas, de interesses, de competências, o projecto constitui uma oportunidade singular, temporalmente circunscrita, para consumar acções heróicas e disruptivas (Grabher*, 2002), e o acesso a experiências de aprendizagem e de trabalho estimulantes (Smith*, 1997).


Atendendo à sua natureza contingencial e temporária, importa atender, porém, que o projecto define uma oportunidade (de aprendizagem, de resolução de problemas, de interacção) que se filia e se consubstancia em relações sociais superficiais, pouco sedimentadas, passageiras (Grabher, 2002), cujo aprofundamento é amplamente constrangido por um sentido de pertença ambíguo, paradoxal, enformado por conflitos subjectivos de "lealdade", de "obediência" (e.g., num processo de tomada de decisão, técnica ou de gestão, a quem deve "lealdade" o indivíduo, em última análise, num contexto de projecto? ao seu empregador? ao cliente do projecto? à equipa de projecto? à praxis profissional? a si mesmo?) (Packendorff, 2002; Tempest & Starkey*, 2004; Sturdy et al.*, 2009).

Trata-se de uma circunstância que decorre, em medida significativa, da pressão do tempo (percebido como escasso), um sentido difuso, insinuante, de urgência, da influência opressiva da “tirania do momento” (Eriksen, 2001), que dificultam o inter-conhecimento mútuo, a construção e a partilha de um sentido de confiança e de familiaridade (Meyerson et al.*, 1996; Lindkvist*, 2005) num contexto de projecto.



Bakker, R. (2010). Taking stock of temporary organizational forms: A systematic review and research agenda, International Journal of Management Reviews, 12, 4, pp. 466-486.
Boltanski, L., & Chiapello, E. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes.
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Castells, M. (2002). A sociedade em rede: A era da informação. Economia, Sociedade e Cultura (Vol. I). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Eriksen, T. (2001). Tyranny of the moment. London: Pluto Press.
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Habermas, J. (1985). Les discours philosofique de la modernité. Paris: Gallimard.
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