A espera.
Esperar é um comportamento ingrato. Ninguém, a não ser quem espera e aquele por quem se espera, compreende o seu sentido. Esperar não produz resultado tangível. Dá trabalho, mas não gera coisa alguma. Espera-se, esperando.
Conhecemos a "espera" de modo pungente e particularmente dramático. Como tudo o que ocorre na ante-câmara da "idade do armário", a pré-puberdade.
Ocorreu na instituição de ensino que era por nós frequentada, e que satisfazia, na altura, pueris necessidades de compreensão do mundo.
Certo dia, fomos abordados por alguns jovens irados, que, certamente sabedores da posse de verbo tosco e lustrosa musculatura, nos prometeram uma "espera". Era a nossa primeira "espera". A ambivalência despoletou, prontamente, incontida resposta ansiosa.
O resultado da iniciativa destes jovens é inenarrável: recalcamento e consolidação de sentimento de inferioridade. O divã aguarda-nos. Soezes insultos foram pronunciados. Indecifráveis, contudo. Os jovens espartanos e irados não possuíam dentição completa.
Percebemos aí, contudo, que a "espera" não era, de todo, fenómeno desejável.
Com o evoluir do tempo, a nossa visão da "espera" sofreu uma substantiva modificação.
Em particular, devido ao contexto onde a mesma tomava forma.
Começámos a apreciar a "espera" em locais democráticos. Cafés. Microcosmos de gente aos quais se pode aceder por meia dúzia de réis.
Como Luís Fernandes, o banalogista, aprendemos, por insistência, a apreciar a "espera" em cafés.
Luís Fernandes aprecia, contudo, um produto subalterno da "espera" em cafés - o atraso daquele por quem se espera:
"Uma das coisas que faço assiduamente é esperar por alguém no café. Repito ciclicamente este momento de espera. Creio que às vezes venho já só para esperar - e todo o encanto se vai mal chegam (...). Adoro desculpas pelos atrasos. Os atrasos são essenciais ao meu existir: permitem-me esperar nos cafés, o que para mim começa já a ser um acto separado de qualquer outro objectivo.
Enquanto espero, acho que alguma coisa vai acontecer a seguir - e é tão bom. Esperar por alguém é o melhor modo de estar sozinho: parece sempre que é por pouco tempo. É bom sabermos alguém na linha do horizonte. E é confortante sabermos que esse alguém se nos destina. Por isso gosto muito dos que se atrasam. Conheço vários, todos acumulados na linha do horizonte, perfilados como hipóteses de vinda".
Há que confiar na apreciação de um especialista em Banalogia.
Encetaremos diligências, de modo que alguém esteja, já daqui a pouco, à nossa espera.
(Nota: o excerto apresentado figura na página 14 da "Escrita perecível" de Luís Fernandes)
4 comments:
O tempo de espera é sempre indeterminado...
Contudo,por quem s espera e o motivo da espera é sempre determinado.
Quantos prazeres ocultos (ou não) estarão envolvidos neste acto...
Quantos prazeres serão saciados após a espera...
"Waiting for Godot"...Afinal é o que nos resta a todos!Beckett tinha razão...
A espera começa na barriga da mãe.São nove os doces meses de espera doce.
Começa depois a suave espera ,
sempre de qualquer coisa, de alguem,...
...mas não será isso a vida?rm
Demasiado pesado,não se ve,não tem cheiro, som, cor,não se apalpa ,mas sofre-se e doi.... doi muito.Parece o sofrimento do burro do Arsénio...cada passo parece sempre ser o último ...e ele vai andando...rm***
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