Friday, June 16, 2017

It`s an outlier!

Gostar de muito.




Hoje em dia há muito de tudo.

Sobre o muito que há, sobram as laudas, os discursos de celebração: haver muito de tudo é bom, é necessário, é natural.

Hoje em dia há muitos écrans.

Nos écrans, há quem viva, há quem estude, há quem ria. Nos écrans, é puído o algodão a palavra dita pelos quase-quase-felizes. Nos écrans, a cor impera, precisa e auto-suficiente, entre risos que edificam.


Nos écrans, há muito de tudo. E há muitas pessoas. Nos écrans, o imediatismo, a sugestão de proximidade, militam a favor do equívoco.

Nos écrans, há gostos particulares que se evidenciam. Gostar de beber galões por perto, gostar de pêssegos, de clementinas, gostar do entusiasmo, das explicações das maiorias. Gostar de ir lá fora, de hotéis, gostar de muito.

Gostar de muito é um gosto específico, particular.


É gostar de cinco fatias de picanha por seis euros e noventa.

É gostar de não precisar de perguntar quanto é que custa, de pensar (de sentir) que o mundo está ganho à partida.

É gostar de ajudas de custo, de buffets de hotel, de digestivos. É gostar de ir de férias, de marcar golos, do formalismo abotoado, que cria distância, dispensa o pensamento, favorece a imagem.

Gostar de muito é gostar de usar pouco bondex. É gostar de saber o que vai acontecer (de seguida).

Gostar de muito implica, dir-se-á, ser muito bom em alguma coisa. A almoçar, por exemplo.
É próprio daquele que gosta de muito, gostar do que é caro, do que se vê, do que aparece.

Gostar de ganhar. Gostar de golfe, de bifes, de vivências. Gostar de ser ouvido. De ter lugar cativo no estádio, na gala, na inauguração. Gostar de correr a favor do vento.

Gostar de muito implica não gostar de estar por baixo ou no meio, que é onde se tende a estar, a maior parte do tempo. É gostar de acreditar no acerto habilitante do dinheiro, da riqueza. 

Gostar de muito é gostar de conhecer o dono (todos os donos).

Gostar de muito espanta o medo, protege da solidão do outro.


Hoje em dia há muito de tudo.

Nos écrans, gostar de muito é uma indústria, é fonte de grande energia, de aperfeiçoamento. 

Os écrans são pouco dados à melancolia, à fraqueza, à fealdade. Implicam uma preferência pela mise en scène, por astúcias da razão mercantil: o baton, os aquashows, a velocidade, o selim que por vezes desce a conselho da autarquia.

Nos écrans, é próprio daquele que gosta de muito, gostar por vezes de pouco. Nestes momentos, aquele que gosta de muito vai para um resort, veste roupas de linho, pratica o bifidus activo, faz ioga.

Nos écrans, gostar de pouco é um gosto raro.

Inquieta. Não dá bom cabelo. Não faz boa mesa. Não anima a praça.


Quem gosta de pouco aparece pouco nas missas.

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