Monday, November 07, 2016

It`s an outlier!

Estar fora, estando dentro: Da liminaridade como experiência de integração social.




Estar entre. Estar sempre, e nunca, em casa.

Experimentar o distanciamento, o desencontro, uma libertação em relação ao habitual. A quase-pertença, a quase-inclusão. A pertença assimptótica. A pertença hifenizada, liminar: estar fora, estando dentro, constituir-se enquanto halfie, nem-um-nem-outro, um inside-outsider, um visitante-residente, um residente-visitante (Borg & Soderlund*, 2014).

No tempo presente, a reinvindicação de um estatuto, de pertença a um grupo ou a uma organização, por parte de um indivíduo, é uma tarefa sempre em aberto, inacabada.

Para Turner* (1969), a liminaridade designa um limbo social que se caracteriza pela impossibilidade temporária de distinção e de posicionamento social (Davies & Harré*, 1990) dos indivíduos. 

Trata-se de uma circunstância de enquadramento social crescentemente observável no presente, dada a natureza volúvel, incerta, dos envolvimentos colectivos, a natureza temporária de um número crescente de formas organizacionais emergentes no plano laboral e sócio-económico, que propicia a transição frequente de papéis (ocupacionais, familiares, sociais), o exercício de papéis (em si mesmo) transitórios, posicionamentos hifenizados, de fronteira, em relação a grupos e organizações formalmente instituídas.

Dada a natureza difusa da posição que procuram referir, os termos existentes para a sua designação prestam-se a usos e interpretações múltiplas, vagas, ambíguas: ser "formando", ser "outsourcer", ser "bolseiro", ser "recibo verde", ser "prestador de serviço", um "parceiro", um "consultor", um "assessor", realizar uma "comissão de serviço", participar num projecto, trabalhar em regime de expatriação. Trata-se de figuras cuja inteligibilidade, cuja unidade intrínseca, a existir, é transitória, é momentânea.

Uma condição liminar é subsidiária da própria natureza do acto de gerir e de organizar um grupo ou instituição social contemporânea (Turner, 1969; Tempest & Starkey*, 2004; Clegg et al.*, 2005; Beech*, 2011; Borg & Soderlund, 2014).

Em termos fenomenológicos, trata-se de uma condição que representa uma experiência individual que se caracteriza pela ruptura (da ordem pré-existente, da normalidade quotidiana), pela excepção ou excepções à regra estabelecida, pela necessidade de fazer sentido da ambiguidade dos papéis existentes e da transitoriedade vivida, em termos temporais e espaciais (Osland*, 2000; Tempest & Starkey, 2004).

Quatro atributos específicos caracterizam a condição liminar e as "liminal personae" (os indivíduos liminares): 1) a invisibilidade social (e, por vezes, física) dos indivíduos, uma condição de segregação que deriva da indisponibilidade temporária de definições que viabilizem a sua caracterização; 2) a morte estrutural e a correlativa probabilidade de contaminação de quem arrisque um contacto com estes indivíduos; 3) a erosão ou a ausência de direitos sociais; e 4) a oportunidade para a reflexão sobre o sentido de si e da ordem social dominante.

Em si, a liminaridade não representa uma experiência necessariamente perturbadora, negativa (Garsten*, 1999).

A experiência de liminaridade pode representar para os indivíduos, quer uma suspensão disruptiva das normas sociais habituais (geradora de incerteza, descontinuidade e insegurança), que se traduz numa diminuição de poder, de visibilidade, e de acesso a recursos sociais e organizacionais, quer uma oportunidade para a expansão do repertório de conhecimento individual (Garsten, 1999; Tempest & Starkey, 2004), a manutenção da actualidade do conhecimento técnico que é detido (Borg & Soderlund, 2014), a adopção libertadora de condutas inovadoras (Zabusky & Barley*, 1997; Garsten, 1999), ou a recriação de identidades pessoais (Ybema et al.*, 2009; Beech, 2011).

Flutuar sem apoio num espaço social pouco definido, num lugar teimosamente, perturbadoramente, nem-um-nem-outro (liminar), torna-se a longo-prazo uma condição produtora de ansiedade.

Nesta perspectiva, a ansiedade define um atributo crescentemente presente nos processos de integração social contemporânea.

Em espaços e tempos sociais marcados pela experimentação de identidades temporárias, de estatutos provisórios (Ibarra*, 1999), a integração social é vivida pelos indivíduos como exercício de práticas temerárias: a necessidade de habitar a indefinição, a aporia, a invisibilidade, na procura recorrente de um lugar, de um estatuto, de um nome que os designe. 




*

Beech, N. (2011). Liminality and the practices of identity reconstruction, Human Relations, 64 (2), 285-302.
Borg, E., & Soderlund, J. (2014). Moving in, moving on. Liminality practices in project-based work, Employee Relations, 36, 2, pp. 182-197.
Clegg, S., Kornberger, M., & Rhodes, C. (2005). Learning/Becoming/Organizing, Organization, 12 (2), 147–167.
Davies, B., & Harré, R. (1990). Positioning: The discursive production of selves, Journal for the Theory of Social Behaviour, 20 (1), 43–63.
Garsten. C. (1999). Betwixt and between: Temporary employees as liminal subjects in flexible organisations, Organisation Studies, 20 (4), 601-617.
Ibarra, H. (1999). Provisional selves: Experimenting with image and identity in professional adaptation, Administrative Science Quarterly, 44 (4), 764-791.
Osland, J. (2000). The journey inward: Expatriate hero tales and paradoxes, Human Resource Management, 39, 2/3, 227–238.
Tempest, S., & Starkey, K. (2004). The effects of liminality on individual and organizational learning, Organization Studies, 25, 507-527.
Turner, V. (1969). The ritual process: Structure and anti-structure. New York: Aldine de Gruyter.
Ybema, S., Keenoy, T., Oswick, C., Beverungen, A., Ellis, N. & Sabelis, I. (2009). Articulating identities, Human Relations, 62 (3), pp. 299-322. 
Zabusky, S., & Barley, S. (1997). “You can`t be a stone if you`re cement”: Reevaluating the emic identities of scientists in organizations, Research in Organizational Behaviour, 19, 1, 361-404.

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