Tuesday, July 05, 2016

It`s an outlier!

Da fé.


De influência decrescente na capacidade de regular o pensamento e a acção individual, a religião e as instituições religiosas encontram-se confrontadas com os efeitos dos processos de individualização e de subjectivação da fé, traduzíveis por opções libertárias, subjectivadas, de procura de salvação, que é deste modo convertida numa questão íntima, pessoal, e possivelmente substituída por outras determinações heterónomas - o bem-estar, a saúde, a segurança, a auto-realização.

A indiferença e o relativismo que os indivíduos experimentam, relacionam-se, em termos correlativos, com o pluralismo de deuses atendíveis e a multiplicação de oficiantes, de práticas concorrentes, paralelas.

A crença dogmática, neste sentido, é reconstituída pelos indivíduos, e não regulada pela liturgia maximamente envolvente, o censor oficiante, a instituição religiosa (Legendre*, 2005). A construção dramatizada da falta, da culpa, do pecado, operada pelos ritos tradicionais da confissão, do interdito e da penitência, perdem a sua capacidade de instruir um espírito de submissão individual, à luz do qual, o confessor, soberano pontífice, aliviava a ansiedade do penitente, libertando-o de um fardo (a culpa) constituído em termos simbólicos pela própria instituição religiosa, para reforço da sua capacidade de contenção da ordem social.

O indíviduo autonomiza-se, deste modo, em relação aos protocolos da tradição e aos empreendimentos legisladores do religioso. Como consequência, a "redenção", o "destino", o "medo do inferno", elementos persuasivos dos monismos simbólicos tradicionalmente propostos pela religião e a instituição religiosa, surgem destituídos do seu sentido teológico tradicional, "já não se encontrando entre os motivos capazes de estimular os actos da multidão" (Arendt*, 2006).

Com o desencantamento da crença e das instituições sociais tradicionais, a atenção do indivíduo centra-se no instante quotidiano, no efémero, no aroma fugaz do agora, fragmentos bastantes à experiência de felicidade. Triunfando, deste modo, o pragmatismo na reconstrução dos regimes de relação com o sentido último da crença, da fé, o indivíduo sente-se, por vezes, um pouco mais só.





* Legendre, P. (2005). L`amour du censeur. Paris: Seuil.
* Arendt, H. (2006). Entre o passado e o futuro. Lisboa: Relógio d`Água.

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