Friday, May 13, 2016

Self-disclosure.


Artwork: "Momsy"
(Starjammers, 2016; Série "Eu hei-de encontrar o real")





Um chuto de bico ao segundo poste.
(Doze meses de Eduarda)



(I)

Imagino-te,
aos dezasseis,
a mergulhar,
de cabeça,
nas piscinas.

Imagino-te,
aos dezasseis,
com vontade de acordar cedo.

Imagino-te,
aos dezasseis,
a sorrir,
com jeito para o futuro.

Imagino-te, 
aos dezasseis,
livre de soberba,
a querer saber 
o que é, de facto,
um protão.

Imagino-te,
aos dezasseis,
com o teu iban,
um fogo esperto,
a dançar o frescobol.

Imagino-te,
aos dezasseis,
a ir aos sítios -
a quiaios,
a odeceixe,
ao baleal,
ao baleal,
ao baleal.

Imagino-te, 
aos dezasseis,
a ler um livro,
segurando-o
com as mãos.



(II)

Imagino-me,
aos cinquenta,
no monte,
com a liana,
a fazer o pino.

Imagino-me,
aos cinquenta,
a ouvir-te dizer alto,
o que um dia
por extenso te disse:
fernando;
assis;
pacheco.

Imagino-me,
aos cinquenta,
a sorrir.

("Capaz de sorrir",
escrevi hoje
no currículo, 
escasso,
tão escasso em saberes úteis:
culinária;
engenharia;
programação)



(III)

Sorrir
foi sempre para mim um esforço, 
saber o que fazer
à cornucópia da fraqueza:

Ser simples.
Ser afável.
Ser manso.
Tentar, no tempo certo, o chuto valente à baliza.



(IV)

Tentei muito o chuto em lugares de nome mítico,
esforçado sempre para que, sem replay,
o chuto parecesse harmonioso, constitutivo, natural.


Um dia*, 
dei um chuto decidido, certo, certíssimo,
um glorioso chuto de bico ao segundo poste.


Sorri hoje, ainda há pouco,
pelo segredo que um dia aprendi,
sentado, suplente,
num pelado do louriçal:

- Se te sentires valente, chuta de bico ao segundo poste.
Não falhas.





* há exactos doze meses, dizem no calendário as quadrículas.


No comments: