Monday, July 17, 2006

Self-disclosure

Bremen`s Liebe I:

Em Delmenhorst. Sito Rua August-Himlisch. Noroeste empobrecido de uma Alemanha politicamente reconstruída.

Uma bicicleta, da idade de Goethe. Creio que terei partilhado o veículo com o pensador, a julgar pela sua têmpera e dispositivo de funcionamento.

Uma conversa com Bernd Hassler, esforçado anfitrião, professor-fazedor de maquinaria e outras quimeras, num assim enquadrado “rusty english”. Após moroso trajecto ferroviário que, através de Colónia, Düsseldorf, Dortmund e Essen, me trouxe à prosperidade hanseática de Bremen. Com direito a reclamação, para moralizar o utente. E a epopeia burocrática de Weber.

Andar de bicicleta sempre me fez aproximar de uma improvável condição de tranquilidade. Um ponto de encontro com o propósito de se existir. Com um passado de substância amorfa e bolorenta. O cão abandonado que nos consome e persegue.

A resolução poderá residir no pedalar.
Não foi o caso. A pedaleira é desproporcional, em relação ao estado anímico.

Promessa de anemia: Leite e biscoitos fazem de refeição. Obstipação à vista.

O silêncio, germânico na nosografia, é, por vezes, ensurdecedor.
Do leito materno, instrução relevante: “Há que escrever no silêncio, rasgando-o com o ruído das palavras escritas”. Uma construção pessoalíssima. Como a de Ézio, brasileiro septuagenário, no aeroporto de Colónia: “Sociologia do trabalho, minha nossa! Eu estudei cultura clássica, todo o grego antigo”.

Ricardo Martins, a epítome do sucesso português (hoje, de luvas defendido), elabora resposta hertziana escorreita, prontamente traduzida para o ouvido americano médio: “Temos de fazer melhor”.
Urros de contentamento. No momento, é uma formulação oscarizável.
É dita em português. O idioma há pouco utilizado por Judite de Sousa, em serviço informativo, de conteúdo temporalmente desfasado, mas noticioso.

Conteúdo bafiento na secção internacional da televisão pública portuguesa. Gastronomia, folclore e futebol: cheiro a Estado Novo. Para quando uma sintonização com a velocidade do rodar do mundo?

Regozijo, porém, na poltrona: nunca a visão de um dançar dos Açores me tinha induzido comoção.

A palavra escrita é, doravante, de homenagem.
Ao mimo. Aos avisos de desperdício de “talento”: “O que tenho escrito em verso e em prosa representa pouco, bem o sei, neste meio tão exigente e português – um grilo que tem fome de elefante”.
Conforto incomensurável: “Não serás ainda o elefante, mas também já não serás o grilo no teu regresso”.

Vontade de andar de bicicleta, acomodar Goethe no assento de cabedal, e domesticar o gigantismo inicialmente diagnosticado da pedaleira.

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