(já não sei quando começaste
a subir a cadeira,
a pedir o gira-discos,
a apontar o nariz,
a dar a mão no passeio,
a deitar os meninos,
a dizer adeus ao longe,
a pôr o papel no lixo.
tenho aprendido contigo.
contigo tenho experimentado a ignorância,
a sensação de ser especial, significativo, o que te procuro apresentar.
um sinal de trânsito, o cesariny, o pina, uma pata de veado,
o tampo de uma mesa, o fernando assis pacheco,
um disco do frankie knuckles, uma esfregona,
a helena almeida, o billy ocean, amendoins,
um jogador de futebol da distrital.
parece que temos segredos em comum.
o mar da murtinheira. o escoural. o pirolito na piscina.
o vital moreira que pára para te ver.
a madonna ("you must be my lucky star").
o frescobol.
água das pedras.
comer feijão, milho, ervilhas.
a tua vasilha.
adormeceste um dia com um original que me ocorreu no polibã - "a minha naninha".
("eu faço a minha naninha / eu faço a minha naninha / a minha naninha é pequenina / é pequenina / mas é minha / mas é minha").
vomitaste, como os amigos íntimos fazem, para cima de mim.
sorriste quando um dia te disse, útil, "volfrâmio".
corremos juntos dez quilómetros no seixal.
carreguei-te vezes e vezes, às três da manhã, escada acima, em alfama.
contigo ao colo, eu e a mãe subimos uma montanha em são miguel.
vimos um sporting benfica, eu de pé contigo ao colo, à espera que a mãe chegasse.
comemos uma tosta. o jogo ficou empatado.
corres hoje para mim, quando me vês ao longe.
eu pensava que isso só acontecia nos écrans de televisão.
tens dezoito meses, e agora, uma irmã.
a Antónia. para sempre.
quando a viste em casa pela primeira vez, desapareceste.
voltaste depressa. com uma chupeta.
disse-te um segredo ao ouvido ("obrigado").
escrevo isto, como sempre, para tentar não esquecer.
e, desta vez, também para te agradecer.
tenho experimentado como uma sorte rara (tão rara),
a tua companhia, a atenção que tenho tido.
já não sei o que era antes de te conhecer).
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