Wednesday, October 12, 2016

Palavras de Cotrim.

Homo mobilis.





Para Simmel* (1999), existe uma relação íntima entre o movimento, a viagem, e a diferenciação das existências pessoais e sociais.

Retomando os seus termos específicos: “Há sempre consequências novas associadas ao facto do homem se deslocar de um lugar para o outro. A mobilidade, as mudanças de lugar, em sentido estrito, a migração, produzem, pelas suas interacções, uma multidão de consequências” (Simmel, 1999, p. 649).

Uma mudança de lugar, produz novas interacções, uma multidão de consequências.

A mobilidade confronta a rotina (Giddens*, 1984), a normalidade das relações existentes (Cresswell*, 2006).

A respeito das formas de socialização e de sociabilidade observáveis em contextos caracterizados pela mobilidade, Simmel (1999) analisa a facilidade aparente que subjaz às amizades que são consumadas por aquele que se encontra em viagem.

Com efeito, para aquele que se encontra em movimento, em viagem, a perspectiva de que se encontra perante relações sociais de natureza temporária, proporciona-lhe uma sensação de quase-anonimato, uma liberdade difusa indutora de revelações e de uma forma particular de abandono de si, um comunismo psicológico que opera como agente de despersonalização e de nivelamento de referências.

Como consequência desta forma particular de interacção, a acção daquele que se encontra em viagem, em movimento, é informada por uma qualidade geral de indiferença, um envolvimento frouxo, uma consciência de algum modo anestesiada, caracterizada, em proporção idêntica, por um sentido de proximidade e de distância, fruto da ausência prévia de história, de raízes partilhadas, de precedentes.

Deste modo, com aquele que se encontra em viagem, não é possível ter em comum senão certas qualidades gerais (de relação).

O investimento concedido, no tempo presente, no plano expressivo e simbólico, à mobilidade, associa aquele que a pratica, de modo vigoroso, incessante, a uma condição de sublimação, onde a acção não se encontra aparentemente constrangida por cesuras ou antecedentes de dependência.

No tempo presente, a mobilidade, estar em movimento não é mais uma questão de escolha, é um requisito significativamente associado a cenários de inclusão e de exclusão social (Bauman*, 2000; Cresswell, 2006).

Importa fazer da partida, da ausência, do movimento incessante, do nomadismo (Deleuze & Guattari*, 1986), um modo de ser próprio, exclusivo dos "homo mobilis" (Amar*, 2011), um marcador estilístico de identidade distinguível numa sociedade desterritorializada.

Aquele que experimenta, com sucesso, as virtudes da mobilidade, apresenta-se como sendo rápido, leve, flexível, um “homem-camaleão imune a perigos” (Boltanski & Chiapello*, 2009), difícil de possuir, de apreender - pelo contexto, pelas estruturas (fiscais, legais, normativas).

Os indivíduos podem vivenciar a mobilidade, porém, de modo ambíguo (Gherardi*, 2009), ora como recurso crítico (escolhido, voluntário), ora como imperativo (exterior, forçado). 

Diferentes estudos empíricos associam a mobilidade a uma experiência de disrupção, geradora de desimplicação e de desenraizamento, de um sentido de comprometimento distanciado, frouxo, por parte dos indivíduos (Felstead et al.*, 2005; Urry*, 2007; Garsten*, 2008; Costas*, 2013).

Deste modo, neste sentido, a mobilidade, inicialmente valorizada como fonte de excitação e de uma excepcionalidade, em si mesmo, distintiva, é convertida em norma social, num novo normal, tornando-se uma fonte de desencantamento (Ehrenberg*, 1998).

A instabilidade associada à experiência de uma mobilidade incessante, por seu turno, emerge como invariante estável, acompanhando um sentido de dissolução ontológica (Costas, 2013), próprio do que é perspectivado e vivido como impermanente.





*

Amar, G. (2011). Homo mobilis: La nueva era de la movilidad. Buenos Aires: La Crujia Ediciones.
Bauman, Z. (2000). Liquid modernity. Cambridge: Polity Press.
Boltanski, L., & Chiapello, E. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes.
Costas, J. (2013). Problematizing mobility: A metaphor of stickiness, non-places and the kinetic elite, Organization Studies, 34 (10), 1467-1485.
Cresswell, T. (2006). On the move: Mobility in the modern western world. New York: Routledge.
Deleuze, G., & Guattari, F. (1986). Nomadology. NY: Semiotext(e).
Ehrenberg, A. (1998). La fatigue d`être soi: Dépression et société. Paris: Odile Jacob.
Felstead, A., Jewson, N., & Walters, S. (2005). Changing places of work. New York: Palgrave Macmillan.
Garsten, C. (2008). Workplace vagabonds: Career and community in changing worlds of work. London: Palgrave Macmillan.
Gherardi, L. (2009). La mobilité ambigué: Espace, temps et pouvoir aux sommets de la société contemporaine. Paris: Édition universitaires européennes.
Giddens, A. (1984). The constitution of society: Outline of the theory of structuration. Berkeley, LA: University of California Press.
Simmel, G. (1999). Études sur les formes de la socialisation. Paris: PUF.
Urry, J. (2007). Mobilities. Cambridge: Polity Press.

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