Tuesday, September 20, 2016

Palavras de Cotrim.

Da economia da decepção.



Para Harvey* (1989), a experiência da condição "pós-moderna" resulta de um sentido difuso de "compressão" do espaço, da contracção do horizonte temporal (de futuro) que lhe surge associado.

À contracção deste horizonte de expectativa, surgem associadas, em termos manifestos, múltiplas práticas quotidianas: a aceleração (Rosa*, 2013) dos processos de transporte, de comunicação, de produção; a natureza temporária, volátil (Berman*, 1983), de produtos, de relações, de contratos; a importância do "momento" (Eriksen*, 2001), do curto-prazo e o declínio correlativo de uma cultura que valoriza a latência e os tempos de espera (Tomlinson, 2007); a importância da "promoção" incessante, que confere "tracção", "tráfego", um fluxo de utilizadores, visibilidade; as técnicas de simulação, de virtualização, de "aumento" da "realidade disponível"; a tecnologia que, de modo instantâneo, transcende, diluindo, referentes e fronteiras (físicas, geográficas, sociais, organizacionais); a efemeridade das "modas", dos desejos, das necessidades. 

Neste quadro "pós-moderno", a frustração, a decepção do desejo, são urdidas, pensadas, mobilizadas, por métodos deliberados.

A depreciação de um produto recentemente disponibilizado, a sua degradação célere, a "compressão" planeada do seu "ciclo de vida", contribuem para o tornar antiquado, menos desejável, antes mesmo de se atingir um estádio de consumação, de maturação da sua hipotética virtude. Por consequência, no plano volitivo, o desejo individual permanece insaciado, por responder, motivo de persistência de um sentido de insegurança e de desapontamento, vivido e apropriado como motivo de continuidade biográfica e de afirmação social.

Desejo, logo sou. Consumo, logo sou. Trata-se de um modelo económico assente na rotinização programada da novidade (Thiele, 1997), e, no essencial, na decepção (Bauman*, 2005), na não-satisfação sucessiva, deliberada, do desejo, de desejos múltiplos, cruzados. O desejo que gera desejo, o consumo que gera consumo, a necessidade que gera necessidade.




Bauman, Z. (2005). Liquid life. Cambridge: Polity Press.
Berman, M. (1983). All that is solid melts into air: The experience of modernity. London: Verso.
Eriksen, T. (2001). Tyranny of the moment. London: Pluto Press.
Harvey, D. (1989). The condition of post-modernity: An enquiry into the origins of cultural change. Oxford: Blackwell.
Rosa, H. (2013). Social acceleration: A theory of modernity. New York: Columbia University Press.
Thiele, L. (1997). Postmodernity and routinization of novelty, Polity, 29, 4, 1-30.
Tomlinson, J. (2007). The culture of speed: The coming of immediacy. London: Sage.

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