Totobola.
Naquela manhã, ele saiu à rua, o cabelo, enxuto, louro, sem mácula, a t-shirt, dois números acima.
Entregue ao seu critério, olhou a multidão sem pressa. De pés a descoberto, os vincos dos lençóis ainda no rosto, pensou em bons propósitos - uvas, gelados de limão, armários de três portas - e percorreu a cidade, confiante, sem embaraço, como se habitasse o corpo de um outro homem, bom de números, razões, gavetas.
Amanhecia ainda o néon da lavandaria, os olhos dele aguardavam, enfim, qualquer coisa reprodutiva.
Era um dia importante, dia de consumar uns quantos motivos duradouros - ser, por fim, gente que pode, um marido que regressa, um filho que espera, uma mãe que acredita.
Naquela manhã, ele ia tentar, de novo, o totobola, as mãos verdes, trémulas, cheirando ainda a lençóis do lidl, a sabonetes de glicerina.
No comments:
Post a Comment